14 de fev. de 2010

Heaven, Hell and my Mademoiselle

É tanto coisa, tanta história, que eu nem sei por onde começar. Certamente me perdeirei, enquanto despejo as palavras na tela. E certamente esquecerei de vários acontecimentos. Mas eles estão lá, nas dobras do meu cérebro, bem guardados. Alguns chamam de "A lenda do lagarto laranja".

HEAVEN: Um tempo atrás, eu escrevi o seguinte aqui no blog:

"Como minhas aulas foram adiadas em duas semanas, mais uma vez a gripe porca, eu tinha feito planos de ir pra SC sozinho e só voltar quando fossem recomeçar as aulas. Reorganizar as minhas idéias e meus pensamentos. Ia tentar arranjar um emprego de quinze dias lá e um lugar pra fica (isso sim seria difícil). Minha mãe ia me matar e a vontade passou um pouco. (03/08/2009) "
Meus planos eram de se mandar pra Garopaba, recém tinha tido a desilusão com a Mari, a gripe suína estava torrando o meu saco e a vida aqui em casa tava um inferno. Depois de chegar a separar as roupas pra ir e sacar dinheiro pra comprar a passagem pra lá, eu desisti da ideia.
Cinco meses e treze dias depois, ironicamente, me encontro na praia para onde eu queria ter ido sozinho. Cheguei num dia meio nublado, fui caminhando sozinho até a beira da praia. Ela estava deserta, com umas nuvens encobrindo a cadeia de montanhas ao norte e as ondas do mar batendo fortemente nas rochas. Pensei na hora: "Meu Deus. Pq eu tive dúvidas ? Eu deveria ter vindo pra cá mesmo... Talvez tivesse abreviado um pouco minha pseudo-depressão."
O que me impressionou mesmo em Garopaba, foram os sonhos que eu tive (já que histórias pra contar, eu não tenho muitas, pq estava com meus pais, you know what I mean). O primeiro foi na noite anteriora da viagem, que por sua extensão e riqueza de detalhes vai ficar num post separado. O segundo eu já estava há alguns dias em Garopaba, acho que uns quatro. E quase não pensava na Fernanda. Comparando com a frequência que eu pensava nela aqui em Porto Alegre, posso dizer que eu praticamente havia esquecido. Aí veio o sonho, temido e tão bom. Paradoxal. Sonhei que éramos namorados, que estavámos num parque passeando, ou algo do gênero. Era muito estranho, eu olhava pro rosto dela e ela estava com aquele sorriso estampado. Eu sabia exatamente o que ela estava pensando, sentido... como se nós nos conhecêssemos há séculos.
Fragmento do caderno púrpuro sobre o sonho (desculpem o inglês, novamente):
"I had a dream yesterday's night. And only George knows how good it was. Yes, you can bet that she was there. Fuckin' shit, why did I open my eyes today ?
Now she is always in my mind...
Now I'm just trying to forget the feeling.
Now I'm just trying to forget about the life in that town."
Depois do sonho qualquer coisinha me lembrava ela. Conheci um pessoal de Brasília (ela morou lá um bom tempo), passagens do livro que eu estava lendo, músicas, etc. E eu tinha que eaquecer um pouco, pra poder aproveitar Capão, e não me sentir "preso". Sei lá, parece meio estranho, mas eu me entendo, e não sei explicar.
Outro sonho foi com a Mari. Ela vinha falar comigo, sobre o que aconteceu entre nós, perguntando pq eu não falava mais com ela. Eu humilhava ela jogando todos os fatos, tudo o que eu pensei na época e o que me fez muito mal. Ela chorava, e dizia que ainda gostava de mim, exatamente pq eu a desprezei. Me senti bem com esse sonho, sinceramente. Óbvio que na vida real seria bem diferente, ela acharia que está certa, pq ela sempre tem a razão, e nós continuaríamos sem se falar.
Depois disso teve alguns dias de chuva, que foram chatos demais. Enfim, foi muito bom. Valeu a pena. Foi um descanso antes de descer direto ao inferno.
HELL: E eu não me importo de ir para o inferno, desde que lá tenha cigarros. E Capão era um inferno de verdade (a única coisa que salvava de não ser um inferno era o mar, que estava como eu nunca tinha visto aqui no RS). O nosso apartamento principalmente. Devia fazer uns 45ºC dentro daquele forno. E os mosquitos de Capão marcaram um reunião, se encontrariam, todos eles, dentro do nosso apê. Por um lado isso foi bom, pq nos forçava a ficar na rua.
No primeiro dia já fomos ver o Gre-Nal juntos (eu, Marcelo, Bernardo, Montanha e Cabeça). O Grêmio perdeu, e eu tive vontade de jogar bola. Fiquei apurrinhando até o jogo sair. Fomos jogar na beira do mar lá pelas duas da madrugada. Nosso time saiu vitorioso. Depois vimos coisas beeeem estranhas naquela madrugada. Gente subindo na casinha de salva-vidas, gente imitando Cicarelli dentro do mar, etc. Chegamos em casa e tivemos que dormir com a janela escancaradamente aberta, obviamente. Sob o luar, sob as estrelas, vendo os morcegos passarem voando a mil. Sempre ficava um tempo remoando minhas idéias, falando com os guris... Todos as noites foram assim, e só conseguia dormir após o sol já ter pintado o céu de azul denovo.
Na noite do segundo dia fizemos tipo um lual na beira a praia. Fábio sempre presente no violão. Toca muito o garoto. Eu ali, cantando, com a minha pose de Liam Gallagher (ou seria Ian Bronw). Tinha mais um pessoal, dois caras formados em música pela UFRGS e a namorada de um deles. De repente, do nada, surge um camarada, meio mendigo, pedindo pra tocar Camila do Nenhum de Nós. Um dos formados em música pegou o violão e tentou tirar de ouvido. Conseguiu. Aí deu a louca no camarada, ele disse que ia compôr uma música olhando pro mar, que era pra gente anotar tudo. Ia ser a melhor letra que veríamos em nossas vidas. Fizemos um samba rock no violão e o cara foi indo... rimando, cantando dentro do tom, e no tempo. Chegou uma hora em que ele fez uma rima, que eu fiquei boquiaberto. Olhei pra um dos meus amigos e ele também fez uma cara de espanto. Pena que não lembro como era o verso. Descobrimos o Trovador Solitário do Litoral Gaúcho.
A quarta noite pra mim foi a melhor. Fomos em um barzinho falar bobagens e beber besteiras. O Fábio e o Montanha ficaram em casa bebendo caipira, depois eles nos encontrariam. Conhecemos umas gurias no bar. Nisso os dois (Fábio sempre com seu inseparável violão) chegaram e a turma toda foi tocar e cantar na beira da praia, deixando o Cabeça e o Guilherme com as duas gurias. Acontece que mal começamos a tocar e chegou um mendigo. Dessa vez um daqueles chatos pra burro. Via-se claramente que ele tava chapado. O pó branco havia inibido sua acetilcolina neuronal.Por um momento achei que ele ia nos assaltar. O mendigo foi enchendo o meu saco, até que eu disse que o Cabeça tinha mandado uma mensagem nos chamando pra voltar no barzinho (óbvio que era mentira, foi só pra despistar o meliante). NO FIM DAS CONTAS AQUELE BIZARRO ME ABRAÇOU. QUE NOJO!!! Fugimos do mendigo, indo para o Centro. Não durou muito, o cara nos achou com sua bicicleta demoníaca. Dessa vez fugi sozinho, peguei o violão e me mandei pro barzinho. Sentei junto com o Cabeça, o Guilherme e as gurias. Os outros foram vindo pouco a pouco. E aí aconteceu o melhor da madrugada (já deviam ser umas quatro, só tínhamos nos e mais um pessoal no bar). O Fábio pegou o violão e eu comecei a cantar. Quando olhei em volta tinha muita gente cantando junto. Fiquei muito feliz. Uns borrachos no bar do outro lado da rua estavam com as mãos levantadas, fazendo aquele movimento clássico dos shows. Tinha mais um pessoal com eles, e eu fiz aquele movimento com os braços pedindo que o resto também fizesse o movimento dos braços, e deu certo. Eu tava numa euforia só. Emendamos "Sinceramente" e "Anna Júlia" todos cantavam, meus olhos deviam estar brilhando, com certeza estavam. Aí chegou o dono do bar e nos mandou embora, dizendo que o bar tava fechando. Gritei para irmos para o bar do outro lado da rua. Adquirimos mais alguns fãs. E nos enxotaram mais um vez. Fomos pra beira da praia, terminar o nosso show. As gurias pareciam estar curtindo bastante, e o álcool no sangue delas também parecia (devia ser por isso). Uma delas cantava loucamente (e bebadamente) comigo. Haviam uns caras que tinham vindo junto do centro também (esses não eram mendigos pelo menos. Eram uns da mesa dos borrachos lá do outro boteco), que, em compensação, estavam aporrinhando demais. Como disse o Cabeça: "Quando eu quiser lembrar de uma pessoa chata, eu vou só pensar naquele gordinho.". No fim fomos embora pq o tal do gordinho era porrista demais, já diria Holden Caulfield [The Catcher in the Rye].
Acho que foi a nossa melhor apresentação, tá certo que não teve muitas, e nenhuma com um grande público, mas essa madrugada vai ficar marcada na minha memória durante muito tempo. Fábio mandando ver naquela viola, eu cantando na pose de Liam, como sempre. Memorável, memorável... Eu tava tanto na adrenalina do "show/lual" que fui ver o sol nascer com o Fábio e o Cabeça. Estava totalmente sem sono.
A próxima noite foi tensa. Uma quinta. Nunca vou esquecer. Aliás, sou um dos poucos que pode dizer que lembra. Os caras entornaram o caldo bonito. E o Marcelo, um dos poucos que não bebe pra valer, tinha ido pra outra praia, voltava só no dia seguinte. Tive que ficar de "guarda" sozinho, e a noite foi engraçada demais. Claro, que as vezes um dos bêbados te aporrinha um pouco mais e tu fica meio irritado, mas nada que estrague a noite. Fomos no famoso Tazz. Nada demais lá, dessa vez. Foi engraçado ver o Fábio. Parecia muito que o cara tinha tomado um LSD. E sim, vou te encher o saco com isso até o fim da vida. Outra coisa que lembro é o Bernardo (totalmente bêbado) falando com o Guilherme (sóbrio) sobre literatura. Eu só ficava ouvindo e rindo. Depois ele veio dizer que ia dar tudo certo entre eu e a Fernanda, que eu ia conseguir. Isso se repetiu umas três vezes. No outro dia, só o suco de couve salvava. Terminei a noite levando o violão pra beira da praia, junto com o primo do Marcelo. Vimos o sol nascer. Seria romântico, se eu não tivesse com um homem. E mais uma vez, violão + beira da praia = mendigo. Veio um com uns conselhos engraçados. Deviam por placas na beira-mar de Capão: "A PREFEITURA DE CAPÃO DA CANOA ADVERTE: TOCAR VIOLÃO NA BEIRA DA PRAIA ATRAI MENDIGOS.".
A noite de sexta foi muito ruim, não fizemos nada de útil. O ruim é que foi a última noite do Cabeça, e foi meio sem graça. Já na noite de sábado, cansamos de Capão, fomos a pé, no meio da madrugada, de centro de Capão até o centro de Atlântida. No fim dessa noite eu me sentia um serial killer perseguidor de mulheres, já explico pq. A primeira coisa que vimos quando chegamos no centro de Atlântida foram as gurias do lual. Fomos falar com elas, e elas estavam sérias e frias. Foi meio tenso ir lá puxar papo. Logo após dar oi, eu vi que não deveríamos ter ido. Convidamos elas pra mais um lual. Logo após isso, elas sumiram (talvez a música não tivesse sido tão boa assim...NOT). Sentamos num banco pra tocar o nosso violão em paz, aí começou a juntar um monte de gente em volta. E o pior, eram só guris. Sendo que um deles cantava muito mal, e era meio chato também. Quando fomos ir embora, pra fugir dos guris, o amigo do chato estava tocando Seu Jorge no violão. Aí eu cheguei pra me despedir do chato:
"- Falo, meu. Nós vamos ir procurar umas gurias, que tocar violão com um monte de homem em volta eu não pilho."
Ele me olhou, bem fundo no olho. Como se fosse profetizar algo que ninguém nunca ouviu. Tive a impressão de que teria uma epifania. Ele apontou pro amigo dele tocando violão, balançou cabeça, apertou a minha mão e abriu vagarosamente a boca:
"- Seu Jorge..."
NOOOOSSAAAAAA. Sábias palavras. Não estava nem um pouco alto o garoto.
Depois, caminhando por uma praça, passo por uma vizinha minha, que eu, siceramente cuidei um tempo atrás. Até tentei forçar um contato naquela época, mas não deu. Nessa hora que eu comecei a me sentir um perseguidor de meninas indefesas. Já era a segunda vez na mesma noite. Aquela noite foi bem deprimente, sei lá pq. Voltamos a pé pra Capão umas quatro e meia da manhã eu, o Marcelo e o Guilherme. O resto foi de van, aproveitando que tinha a saída do Planeta Atlântida (festival de merda, diga-se de passagem).
Uns dias antes o Marcelo tinha me convidado pra ir pra Cidreira com ele, passar mais um semana. De Porto Alegre vinham notícias que estava impossível de dormir, de tanto calor. Verifiquei minha guaiáca, e tinha dinheiro suficiente. Me senti Chris MacCandless [Into the Wild], apesar de ele não ter feito exatamente isso. Foi mais uma semana na praia, pra dar uma "slow down" depois de estar a mil por hora em Capão. E eu estava livre pra pensar na Fernanda. Lá em Cidreira eu e o Marcelo falamos muitos sobre nossos planos futuros e tudo mais. Vi que esse meu semestre vai ser difícil, não só nas cadeiras da faculdade, mas também pq eu vou ter que arranjar um tempo pra falar com a Fernanda no "entre-aulas" ou algo do tipo.
É meus caros, voltei de Cidreira com uma tosse esquisita. O seu amigo foi assolado pela tuberculose. O mal do século. Que assola os grandes escritores como Lorde Byron e Álvares de Azevedo, agora chegou minha vez. Me recupero. Acho que amanhã ou depois já estarei totalmente recuperado. Sempre volto enfermo da praia, é impressionante.
Enfim, talvez agora seja tarde demais pra sentir saudade do que passou. Na minha vida, espero que venham muitos momentos iguais a essa semana que se passou. Agora que vocês já conhecem a lenda do lagarto laranja, podem sair contando a história por aí aos quatro ventos.
"Ele sorriu de sua confusão, o caos do seu sangue e do seu cérebro."
Espere a Primavera, Bandini - John Fante

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